A restrição ao uso de algemas em criminosos do colarinho branco pegou a Polícia Federal de surpresa. Como conseqüência, pode gerar uma confusão generalizada no cumprimento de mais de 350 mil mandados de prisão em aberto no país contra bandidos comuns: a decisão obriga o policial que atua na linha de frente de combate ao crime definir quem é perigoso ou pode reagir à prisão.
"O problema não é a algema e sim quem está algemado. O Supremo foi infeliz e a medida é equivocada", reagiu o agente federal Marcos Vinício Wink, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef).
O ministro da Justiça, Tarso Genro, garantiu que a PF cumprirá a decisão, mas alertou que, além de aumentar o nível de arbítrio dos policiais, seu cumprimento requer uma reorientação interna nos órgãos de segurança. A grande dúvida, segundo o ministro, é como colocar em prática no País inteiro uma medida que repercute diretamente na segurança de policiais, da população e do próprio preso.
"A sensação de absoluta impunidade pode provocar uma reação de desequilíbrio no custodiado", exemplifica Genro ao se referir aos colarinho branco.
Decisão do policial
"Historicamente, o uso da algema era uma decisão do policial, tomada de acordo com as circunstâncias. Agora ele terá de explicar por escrito. Como fazer com um preso que entra numa viatura onde há armas e policiais armados?", pergunta o delegado Sandro Avelar, presidente da Associação Nacional dos Delegados da PF.
O jeito, segundo ele, é reativar os velhos camburões e colocar o detento, seja ele rico ou pobre, no chamado chiqueirinho, que fica na parte traseira das viaturas. Avelar e Wink acham que, sob o pretexto de proteger direitos individuais, o STF entrou num segmento que não conhece.
A decisão, segundo eles, vai criar situações de alto risco e pode desencadear tragédias generalizadas. É também, conforme afirmam, um sinal de que novas restrições à ação da polícia no combate à corrupção podem estar em curso. O próximo passo seria uma lei inibindo o grampo telefônico, hoje a maior arma da polícia contra os delitos financeiros.
Alvo da súmula vinculante do STF, a Polícia Federal tem a seu favor o fato de ter executado, de 2003 até agora, em 605 operações de impacto, 9.301 prisões sem que precisasse disparar um tiro sequer. O segredo para evitar o uso de violência sempre foi a surpresa e as algemas, dois fatores que inibem reações.
A preocupação com a preservação da imagem do detento já havia sido contemplada no novo manual do órgão, que proíbe a exposição de presos, mas acabou sendo violado na Operação Satiagraha quando o delegado Protógenes Queiroz permitiu que a TV Globo filmasse o ex-prefeito Celso Pitta sendo preso na porta de sua casa.
"É uma reação da elite, mas a PF deu guarida", reconhece Wink. "Quando preso vestido com a camisa do Flamengo desce morro no Rio algemado e levando cascudo ninguém reclama", lembra. Wink acha preferível continuar algemando e responder a uma acusação de abuso do que, por omissão, colaborar para uma tragédia.