ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, acredita que é a desinformação a causa da maioria das manifestações contrárias à obra de transposição do Rio São Francisco, que classifica como projeto incompreendido. Em entrevista concedida ao JB, ele dá detalhes da obra e avisa que maior parte das críticas são "mitos".
Como estão as obras do Rio São Francisco?
As obras, o primeiro trecho dos dois canais de aproximação e as estações de bombeamento, estão sendo levadas pelo Batalhão de Engenharia do Exército. Na sexta-feira passada publicamos no Diário Oficial o Consórcio São Francisco como vencedor do primeiro lote da licitação para o Eixo Norte, o que vai permitir que a iniciativa privada entre no processo dando maior celeridade ainda à execução do projeto. Temos a convicção que está tudo dentro do rigor exigido pela lei e que não haverá mais contratempo de ordem judicial.
Qual é o valor desse lote?
O consórcio vencedor terminou com a proposta de R$ 238 milhões, o que representa um valor 14% abaixo do preço de referência. Aí estão embutidas obras civis, numa extensão de 39 quilômetros.
Qual é a previsão para o outro canal?
A idéia é fazer com que o Eixo Leste, que leva água à Paraíba e Pernambuco, possa estar concluído ainda no governo do presidente Lula e deixar o Eixo Norte de tal forma viabilizado que qualquer que seja o governo venha suceder o presidente Lula tenha o dever, perante a sociedade, de concluir a obra.
Essas licitações incluem cuidados com o meio ambiente?
Não. As obras de cuidado com o meio ambiente estão inseridas em 36 PBAs (Planos Básicos Ambientais) que foram exigências justamente impostas pelos órgãos ambientais, pelo Ibama e pelo Ministério do Meio Ambiente, que já estão sendo tocados, ao lado das obras de interligação de bacias.
São obras financiadas com recursos federais?
Todo o projeto é financiado com recursos do Orçamento da União, com recursos inscritos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O Exército tem colaborado em que partes?
Na parte inicial, que é o trecho referente aos canais de aproximação, as estações de bombeamento e as barragens de Areias e de Tuputu, que são barragens de acumulação. Quanto ao Exército, gostaria de esclarecer a alguns contrários à obra que a participação do Exército não é um ato de força, é sempre bom lembrar a longa tradição do Departamento de Engenharia do Exército em obras públicas. No caso específico, trata-se inclusive de uma região conflagrada, que foi uma das razões que fez com que levássemos o Exército. E há também a questão do polígono da maconha.
A transposição é uma obra de infra-estrutura. O que ela pode agregar de benefício à população?
Esta pergunta me permite enfrentar logo um mito e um tabu que tenta se criar. A outorga da Agência Nacional de Águas fala explicitamente que a prioridade da ligação de bacias do São Francisco é abastecimento e humano e alimentação animal, numa área onde você não tem segurança hídrica. E esse é um primeiro conceito. Esse é um projeto para fornecer segurança hídrica. A região do Nordeste Setentrional, dizem os sertanejos, é uma área que chove mais para cima do que para baixo, referindo-se aos 75% de evaporação, fazendo com que das águas acumuladas nos açudes você só possa utilizar 22%. Portanto, o conceito desta obra é uma obra estruturante, de segurança hídrica. Outro mito dos críticos é que eles dizem que quando houver sobra de água, essa sobra será utilizada para projetos de irrigação de outros projetos de desenvolvimento. É claro que sim. E é importante que seja usada. As pessoas não vivem sem beber água. Mas as pessoas não vivem só de beber água. As pessoas precisam de emprego, precisam de produção.
Como o senhor avalia a posição de dom Cappio, contra a obra?
A minha manifestação desde o início desse processo foi muito clara: ela se sustenta no conceito da legitimidade. Eu creio que é fundamental, tanto o bispo como todos aqueles que têm manifestações contrárias, que as façam. Mas sempre com o intuito de trazer sua contribuição honesta para que o governo possa incorporar essas condições e melhorar cada vez mais esse projeto importantíssimo para o Nordeste Brasileiro. Dentro do conceito de legitimidade o que não se pode aceitar é essa posição que foi adotada pelo bispo dom Cappio, por quem tenho apreço e respeito pessoal, de "ou faz do jeito que eu quero ou eu vou morrer e vou botar a culpa no governo". Isso é uma coisa que não poderíamos aceitar, porque aí o Estado deixa de existir. Todo diálogo e todo debate, para ser produtivo, ele precisa ter um fim. E quem estabelece o fim do diálogo ou é o consenso ou é a legitimidade de alguém para decidir. Nesse caso específico, quem tem legitimidade para implementar políticas públicas é o presidente Lula. As pessoas podem não gostar pessoalmente nem do governo dele. Mas ninguém pode questionar a legitimidade de implementar políticas públicas que foi conquistada nas ruas.
O senhor acha que há exagero, que estão mistificando essa obra?
Só para você ver como esse assunto está sendo tratado como mito: eu assinei, na Bahia, ao lado do governador Jaques Wagner, uma ordem de serviço para a retomada de dois projetos de irrigação importantes, o Salitre e o Bacio de Irecê. Vou me referir apenas ao Bacio de Irecê. A tomada de água autorizada pela Agência Nacional de Águas para esse projeto de irrigação vai tirar do São Francisco 56 metros cúbicos por segundo, antes, inclusive da Barragem de Sobradinho, o que significa duas vezes e meia mais do que a autorização do que vai se tirar para a transposição do Rio São Francisco, já depois da Barragem de Sobradinho. E todos aplaudem a implantação desse importante projeto de irrigação no nosso Estado. Veja como tem mitos envolvidos nesse projeto.
Além da questão dos mitos, essa obra é muito politizada, principalmente no seu estado.
Essa discussão começou na época do Império. Depois, o presidente Itamar Franco tentou implementar, o presidente Fernando Henrique tentou implementar, e o presidente Lula, com muita coragem, está levando adiante. E esse é um projeto que, fruto exatamente do debate, vem evoluindo, está sendo aprimorado, e hoje eu tenho absoluta certeza de que é um projeto passível de muito pouca crítica honesta do ponto de vista intelectual.
O senhor garante que todas essas obras da transposição estão respaldadas na questão ambiental, no ministério do Meio Ambiente, com licenças prévias e permanentes, como também na Agência Nacional de Águas?
Sem sombra de dúvida.
Não teremos mais problemas futuramente?
Espero que não. Se tivermos, vamos trabalhar para resolver. E mais do que isso, sempre abertos a incorporar sugestões e críticas corretas. Veja por exemplo que quando viajei da nascente à foz do São Francisco, ouvi ribeirinhos dizerem: "Mas como vocês vão levar água tão distante se algumas pessoas que habitam aqui nas barrancas do rio ainda não têm água?" Essa é uma crítica honesta. Levei ao presidente que imediatamente autorizou a criação do programa Água para Todos, que nada mais é do que atender num raio de 15 quilômetros de distância, em cada margem do rio, direita e esquerda, nos seus 2.800 quilômetros de extensão, a todas as comunidades que ainda não tiverem acesso à água do Rio São Francisco. Essa é uma evolução, é um aprimoramento do projeto, fruto do debate, fruto da crítica honesta e não do sectarismo.
Quanto tempo o senhor levou nessa viagem da nascente à foz?
Nós fizemos em sete dias, visitando pontos críticos, visitando cidades, visitando áreas, e até visitando a Diocese da Barra, onde procurei o bispo dom Cappio, que naquele momento preferiu se ausentar, evitando esse contato que eu gostaria muito que tivesse acontecido.
O senhor chegou a procurá-lo não o encontrou?
Cheguei a procurá-lo. Inclusive foi meu primeiro telefonema quando tomei posse no dia 16 de março. Liguei a dom Cappio e disse que gostaria muito de ouvi-lo, e que humildemente o convidava para um encontro no Ministério da Integração Nacional ou me colocava a disposição de ir a sua diocese para debater. Ele me disse que consultaria o seu grupo e me retornaria. Infelizmente, para tristeza minha, nove meses se passaram e o dom Cappio não me deu retorno. Eu poderia ter aprendido muito com ele e certamente incorporar as suas experiências para melhorar esse projeto.
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