Uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou a suspensão da regra prevista no edital do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que diz que quem desrespeitar os direitos humanos na prova de redação pode receber nota zero. A prova de redação do Enem será aplicada a mais de 6 milhões de candidatos no dia 5 de novembro.
A decisão foi tomada em caráter de urgência a pedido da Associação Escola Sem Partido. No pedido feito ao TRF1, a entidade diz que a regra é uma “punição no expressar de opinião”. “Ninguém é obrigado a dizer o que não pensa para poder ter acesso às universidades”, argumentou a Associação Escola Sem Partido.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) disse que respeita a decisão judicial, mas recorrerá da sentença assim que for notificado. Em nota, o Ministério da Educação (MEC) reafirmou que todos os seus atos são balizados pelo respeito irrestrito aos direitos humanos, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos, consagrada na Constituição Federal Brasileira.
“O Inep comunica que estão mantidos os critérios de avaliação das cinco competências da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem 2017), tal como divulgados, amplamente, em seus documentos oficiais. Aos participantes do Enem 2017, o Inep reafirma que está tudo organizado com segurança e tranquiliza a todos quanto à realização das provas, que serão aplicadas nos dias 5 e 12 de novembro”, disse o Instituto, em nota.
Ao analisar o caso, o desembargador federal Carlos Moreira Alves disse que o item é ilegal porque ofende a garantia constitucional de liberdade de manifestação de pensamento e opinião. Ele também citou a ausência de um referencial objetivo no edital dos certames, “resultando na privação do direito de ingresso em instituições de ensino superior de acordo com a capacidade intelectual demonstrada, caso a opinião manifestada pelo participante venha a ser considerada radical, não civilizada, preconceituosa, racista, desrespeitosa, polêmica, intolerante ou politicamente incorreta”.
O juiz também defende que o conteúdo ideológico do desenvolvimento do tema da redação deveria ser um dos elementos de correção da prova discursiva, e não fundamento sumário para sua desconsideração, com atribuição de nota zero ao texto produzido, sem avaliação alguma em relação ao conteúdo intelectual desenvolvido pelo redator.
Regras
De acordo com a Cartilha do Participante, documento que estabelece os critérios de correção da prova discursiva, o desrespeito aos direitos humanos é um dos itens que podem levar a redação a receber nota zero. Segundo o documento, algumas ideias e ações serão sempre avaliadas como contrárias aos direitos humanos, entre elas a defesa de tortura, mutilação, execução sumária e qualquer forma de “justiça com as próprias mãos”, isto é, sem a intervenção de instituições sociais devidamente autorizadas.
Também ferem os direitos humanos, segundo as regras do Enem, a incitação a qualquer tipo de violência motivada por questões de raça, etnia, gênero, credo, condição física, origem geográfica ou socioeconômica e a explicitação de qualquer forma de discurso de ódio voltado contra grupos sociais específicos. Segundo o Inep, apesar de a referência aos direitos humanos ocorrer apenas em uma das cinco competências avaliadas, a menção ou a apologia a tais ideias, em qualquer parte do texto, pode anular a prova.
A regra sobre o respeito aos direitos humanos na redação do Enem não é uma regra nova. De acordo com o Inep, a prova de redação do Enem sempre exigiu que o participante respeite os direitos humanos e, desde 2013, o edital do exame tornou obrigatório o respeito ao tema, sob pena de a redação receber nota zero.
Cuidados a serem tomados
Apesar de o julgamento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) ter decidido suspender essa parte específica do edital, ele não mexeu nas regras que definem as cinco competências exigidas na redação. A competência 5, portanto, segue igual, e diz que o estudante deve "elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos".
Cada uma das cinco competências será avaliada com nota de zero a 200 pontos, fazendo com que a pontuação máxima possível na prova de redação seja mil.
Até o ano passado, o desrespeito aos direitos humanos era motivo de nota zero em qualquer trecho da redação. Agora, segundo a nova decisão judicial, a exigência explícita de respeito aos direitos humanos fica restrita à proposta de intervenção. Isso quer dizer que, se a prova de redação tiver uma proposta de intervenção que desrespeite os direitos humanos, a nota máxima possível seria de 800 pontos.
Porém, deve ser ressaltado que os descontos podem ser ainda maiores, já que outra competência, a 3, avalia a coerência do texto. Veja abaixo:
- Competência 1 - Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa.
- Competência 2 - Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa.
- Competência 3 - Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista.
- Competência 4 - Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação.
- Competência 5 - Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.
Do modo como as cinco competências estão dispostas os corretores podem considerar incoerentes tanto uma redação que desrespeite os direitos humanos em outros trechos da redação, mas apresente uma proposta de redação que cumpra o exigido na competência 5, quanto uma redação que respeite os direitos humanos durante todo o texto, menos na proposta de intervenção.
O que é desrespeito aos direitos humanos?
De acordo com o Inep, uma das competências exigidas para a redação do Enem é elaborar uma "proposta de intervenção" para o problema abordado no tema da redação. A proposta precisa respeitar os direitos humanos.
No manual de redação divulgado pelo Ministério da Educação como guia para os candidatos, há exemplos de ideias que ferem os direitos humanos e receberiam nota zero. São elas:
- defesa de tortura;
- mutilação;
- execução sumária;
- qualquer forma de “justiça com as próprias mãos”, isto é, sem a intervenção de instituições sociais devidamente autorizadas (o governo, as autoridades, as leis, por exemplo);
- incitação a qualquer tipo de violência motivada por questões de raça, etnia, gênero, credo, condição física, origem geográfica ou socioeconômica;
- explicitação de qualquer forma de discurso de ódio (voltado contra grupos sociais específicos).
O manual esclarece que qualquer menção ou apologia a tais ideias em qualquer parte da redação levaria à anulação do texto.
Entenda a decisão
Na quarta-feira, a Justiça Federal decidiu, em uma decisão da quinta turma do TRF-1, suspender um trecho de um dos itens do edital do Enem 2017. O item listava algumas atitudes dos candidatos do exame na prova de redação que renderiam sua anulação, ou seja, a nota zero. As atitudes são apresentar impropérios, conter desenhos e outras formas propositais de anulação, ou desrespeitar os direitos humanos
Segundo a assessoria de imprensa do TRF-1, ficou determinada a suspensão desse item do edital "na parte em que determina atribuição, sem correção de seu conteúdo, de nota zero à prova de redação que seja considerada desrespeitosa aos direitos humanos".
Isso quer dizer que, entre as três atitudes listadas neste item do edital, apenas o desrespeito aos direitos humanos está suspenso. Tentativas de deboches e xingamentos, por exemplo, continuam sendo motivo para a nota zero.
O Inep já afirmou que vai recorrer da decisão assim que for notificado, e que "estão mantidos os critérios de avaliação das cinco competências da redação".