Os robôs nas Redes Sociais

 

Opinião - 03/09/2017 - 13:00:59

 

Os robôs nas Redes Sociais

 

Marco Aurélio Ruediger * .

Foto(s): Divulgação / Arquivo

 

Marco Aurélio Ruediger é Diretor da FGV/DAPP

Marco Aurélio Ruediger é Diretor da FGV/DAPP

Adormecidas desde as manifestações à época do impeachment do presidente Fernando Collor de Mello (1992), as ruas voltaram a fazer parte da política brasileira quando o aumento das tarifas de ônibus fez irromper uma onda de protestos no Brasil em junho de 2013. Naquele momento, a estratégia de evitar a apropriação do movimento por parte de partidos políticos – principais alvos da revolta das ruas – e a desconfiança na cobertura das manifestações pela imprensa tradicional transformaram as redes sociais em um reconhecido espaço de expressão da democracia, uma vez que assumiram protagonismo como lugar de organização e de difusão de informações.

“O crescimento da ação concertada de robôs representa, portanto, uma ameaça real para o debate público, representando riscos, no limite, à democracia (…)”

“Ao identificarmos robôs operando para um campo, porém não queremos dizer que os atores políticos e públicos ali situados sejam responsáveis diretos pelos robôs a seu favor.”

De 2013 para cá, não apenas as ruas foram ocupadas por movimentos partidários como as redes foram inundadas por velhas estratégias políticas de difamação e manipulação de debates públicos. No entanto, agora elas ocorrem em um meio que permite uma veloz massificação dos discursos de tal forma que coloca em risco a credibilidade do espaço e da informação que nele circula. A tradicional panfletagem partidária, por exemplo, ocupa a mesma timeline de notícias difundidas pela imprensa, assim como boatos e detrações propagados por atores políticos de todo o espectro partidário.

“Esse esforço de pesquisa aqui apresentado busca emitir um alerta de que não estamos imunes e que devemos nos preocupar em buscar entender, filtrar e denunciar o uso e a disseminação de informações falsas (…)”

A internet e as redes sociais se converteram em campo importantíssimo, crescente, e dinâmico do debate público e da disputa de narrativas, que levam à busca de hegemonias na política. Essa realidade abre espaço para discussões legítimas e factuais, mas também para discursos corsários, não legítimos e não factuais (fake news).

Somado a este ambiente fértil para a disseminação opiniões, a automatização de ferramentas de publicação possibilitou o surgimento e a propagação de robôs — contas controladas por softwares se fazendo passar por seres humanos que já dominam parte da vida nas redes sociais e participam ativamente das discussões em momentos políticos de grande repercussão.

O estudo feito pela FGV/DAPP aponta que esse tipo de conta chegou a ser responsável por mais de 10% das interações no Twitter nas eleições presidenciais de 2014. Durante protestos pelo Impeachment, essas interações provocadas por robôs representaram mais de 20% do debate entre apoiadores de Dilma Rousseff, que usavam significativamente esse tipo de mecanismo. Um outro exemplo analisado mostra que quase 20% das interações no debate entre os usuários favoráveis a Aécio Neves no segundo turno das eleições de 2014 foi motivado por robôs.

Nas discussões políticas, os robôs têm sido usados por todo o espectro partidário não apenas para conquistar seguidores, mas também para conduzir ataques a opositores e forjar discussões artificiais. Eles manipulam debates, criam e disseminam notícias falsas e influenciam a opinião pública postando e replicando mensagens em larga escala. Comumente, por exemplo, eles promovem hashtags que ganham destaque com a massificação de postagens automatizadas de forma a sufocar algum debate espontâneo sobre algum tema.

“Apontamos com esse esforço dois compromissos da DAPP. O primeiro, é vinculado ao acompanhamento do debate nas redes e atenção pela democracia. O segundo, de esforço contínuo em desenvolver e aprimorar tecnologias de detecção e compreensão desse fenômeno.”

Ao identificarmos robôs operando para um campo, porém não queremos dizer que os atores políticos e públicos ali situados sejam responsáveis diretos pelos robôs a seu favor. Diversos grupos de interesse podem estar fazendo uso desse tipo de recurso de disseminação de informações. Na verdade, lato sensu, há robôs até operando do exterior. Isso inclusive enseja a reflexão de manipulação não só interna, mas também para além dos campos políticos nacionais, sugerindo a hipótese da possibilidade de até mesmo outros atores, estranhos ao quadro nacional, operarem nas redes esses mecanismos.

O crescimento da ação concertada de robôs representa, portanto, uma ameaça real para o debate público, representando riscos, no limite, à democracia, ao manipular o processo de formação de consensos na esfera pública e de seleção de representantes e agendas de governo que podem definir o futuro do país.

Identificar esses robôs torna-se assim um desafio da maior importância, uma vez que sua operação é cada vez mais refinada e capaz de replicar o padrão humano com mais precisão. Diferenciar o dado real do manipulado, na análise dos processos sociais e políticos em pleno curso, é definidor tanto para o governo
— cujo processo de tomada de decisão deve estar ancorado em informações qualificadas — como para a sociedade civil, que reverbera a agenda produzida nas redes em debates e ações fora delas.

Por isso a FGV/DAPP desenvolveu um sistema apurado de identificação de contas suspeitas que atuam como robôs, gerando conteúdo algoritmicamente, e cujos resultados demonstram o importante papel jogado pelos robôs em momentos-chave da política brasileira recente. Trata-se, pois, de um risco real e comprovado ao debate público legítimo na democracia brasileira.

Mas, apesar de os robôs operarem a favor de agendas específicas, isso não quer dizer que dominem completamente a rede nem que a percepção final da maior parte das pessoas será resultante direta da influência desses dispositivos. O que constatamos, no entanto, é que eles existem, já operam no debate brasileiro, obedecem padrões e buscam influenciar. Sobretudo, esse esforço de pesquisa aqui apresentado busca emitir um alerta de que não estamos imunes e que devemos nos preocupar em buscar entender, filtrar e denunciar o uso e a disseminação de informações falsas ou manipulativas por meio desse tipo de estratégia e tecnologia. Deve-se ter atenção e proteger os espaços democráticos inclusive nas redes sociais.

Considerando que as próximas eleições terão importância central para o país, e supondo que nosso caso não será muito diferente de outras democracias em períodos eleitorais recentes, nos quais ocorreram claras tentativas de manipulação (França, Estados Unidos etc), apontamos com esse esforço dois compromissos da DAPP. O primeiro, vinculado ao acompanhamento do debate nas redes e atenção pela democracia. O segundo, de esforço contínuo em desenvolver e aprimorar tecnologias de detecção e compreensão desse fenômeno.

A primeira fase deste estudo, aqui apresentada, concentrou-se em momentos políticos de alta repercussão nas redes nos últimos três anos: eleições de 2014, impeachment de Dilma Rousseff, eleições municipais de 2016 e greve geral de 2017. A análise levou em consideração múltiplas características e metadados que denunciam a presença de contas suspeitas.

O estudo do uso de robôs no período analisado já demonstra de forma clara o potencial danoso dessa prática para a disputa política e o debate público. Uma das conclusões mais evidentes nesse sentido é a concentração dessas ações em polos políticos localizados no extremo do espectro político, promovendo artificialmente uma radicalização do debate e, consequentemente, minando possíveis pontes de diálogo entre os diferentes campos políticos constituídos. Outro elemento flagrante é o “inchamento” de movimentos políticos que são, na realidade, de dimensão bastante inferior. Somados, esses riscos e outros representados pelos robôs, são mais do que o suficiente para jogar luz sobre uma ameaça real à qualidade do debate público no Brasil e, consequentemente, do processo político e social definidor dos próximos anos.

* Marco Aurélio Ruediger é Diretor da FGV/DAPP

 



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