STF suspende ações de juízes contra jornalistas da Gazeta do Povo
Da Redação com Comunique-se
Foto(s): Divulgação / Arquivo / Carlos Gomes
Jornal Gazeta do Povo
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, deferiu liminar que suspende 42 ações contra a Gazeta do Povo e seus jornalistas. O impresso, assim como os profissionais, foi processado por magistrados do Paraná por causa de reportagens publicadas nos dias 15, 16 e 17 de fevereiro de 2016 sobre o “teto constitucional” e remuneração que ultrapassa o teto, ainda que dentro da legalidade. Os processos foram abertos em diferentes cidades no Juizado Especial, que aceita causas de pequeno valor (até 40 salários mínimos).
Segundo informações do G1, a ministra reconsiderou a decisão que permitia que os processos fossem julgados pela Justiça estadual. Agora, ela deve determinar se as ações sejam avaliadas pelo STF ou pela Justiça do Paraná. "Concedo a medida acauteladora para o fim suspender os efeitos da decisão reclamada, bem como o trâmite das ações de indenizações propostas em decorrência da matéria jornalística e coluna opinativa apontadas pelos reclamantes, até o julgamento do mérito desta reclamação", explicou a juíza em trecho da decisão.
Em nota, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) avaliou acertada a decisão de Rosa. A entidade considera que os profissionais nada mais fizeram que cumprir o dever de informar sobre assuntos de interesse da sociedade. "É inaceitável a atitude dos magistrados que moveram série de ações com o objetivo de intimidar o trabalho jornalístico. A Abert tem a convicção de que a Justiça reconhecerá o direito constitucional do cidadão de acesso à informação, com o êxito do processo do jornal Gazeta do Povo".
Entenda o caso
A Gazeta do Povo veiculou as reportagens em fevereiro e, segundo as informações, o conteúdo foi feito com informações públicas disponibilizadas no Portal da Transparência. Segundo os dados da matéria, o rendimento médio de juízes e membros do Ministério Público no Paraná superou o teto de R$ 30.471,10 em mais de 20% no ano de 2015. As ações indenizatórias contra o conteúdo foram ajuizadas mesmo depois de o jornal ter feito esclarecimentos em seu editorial e publicado o direito de resposta solicitado pela Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) e Associação Paranaense do Ministério Público (APMP).
A série de processos prejudicou o trabalho do impresso e dos profissionais já que eles foram obrigados a deixarem a redação para comparecer a todas as audiências pessoalmente, sob pena de serem condenados à revelia. A Gazeta conta que o impedimento é comprovado com audiências marcadas para datas próximas ou mesmo coincidentes em locais distantes dentro do Estado.
A defesa da Gazeta do Povo e dos jornalistas entende que as ações devem ser julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já que os juízes e os promotores paranaenses são parte interessada. Um pedido foi aberto para que o caso fosse julgado em Brasília, mas, em primeiro momento, a ministra Rosa Weber rejeitou o andamento da reclamação da Gazeta perante o STF, decisão que agora foi reconsiderada.
Abraji repudia assédio judicial à Gazeta do Povo
A Abraji repudia a retaliação de magistrados e promotores do Paraná ao jornal Gazeta do Povo e cinco de seus profissionais, iniciada no começo deste ano. Em reação a reportagens publicadas em fevereiro de 2016 sobre suas remunerações, juízes e promotores paranaenses moveram 36 ações judiciais por danos morais. O número deve aumentar.
Os processos foram protocolados em Juizados Especiais, o que obriga os jornalistas Chico Marés, Euclides Lucas Garcia e Rogério Galindo, além do analista de sistemas Evandro Balmant e do infografista Guilherme Storck a comparecer a todas as audiências de conciliação. Como há ações em todo o estado, os profissionais já percorreram mais de seis mil quilômetros nos últimos dois meses, atendendo a 18 intimações.
A ação foi coordenada pela Associação dos Magistrados Paranaenses (AMAPAR) e pela Associação Paranaense do Ministério Público (APMP), conforme mostra áudio do presidente da AMAPAR (ouça abaixo), Frederico Mendes Junior a um grupo de juízes. O magistrado orienta os colegas a entrar, "na medida do possível", com ações individuais, usando modelo de petição criado para esse fim.
Segundo fontes da Gazeta, em uma das audiências o juiz de Paranaguá Walter Ligeiri Junior afirmou que "a Amapar não tem absolutamente nada com isso" e que o movimento partiu de um grupo de juízes. Ligeiri Junior alertou os profissionais da Gazeta de que "depois dessa, muitas outras seguirão. São 700 juízes preparando ação".
Surpreende que os magistrados e promotores ignorem a jurisprudência sobre essa forma de assédio judicial. Em 2008, a Igreja Universal do Reino de Deus aplicou a mesma tática de intimidação da imprensa, orientando fiéis de todo o país a mover ações contra a jornalista Elvira Lobato e a Folha de S.Paulo, frente à publicação de reportagem sobre empresas ligadas ao bispo Edir Macedo. À época, as mais de 90 ações judiciais por danos morais não prosperaram e em alguns casos houve condenação da Universal e de fiéis por litigância de má-fé, ou seja, abertura de processo para obter resultado ilegal ou apenas para prejudicar outra parte.
Parecem desconhecer, ainda, as regras de transparência estabelecidas por seus próprios órgãos de controle. Segundo o Art. 6º, inciso VII, item d) da Resolução 215/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a remuneração de juízes deve ser divulgada, por ser informação de interesse público. O mesmo se aplica aos vencimentos dos promotores, de acordo com o Art. 7º, inciso VII da Resolução 89/2012 do Conselho Nacional do Ministério Público.
Para a Abraji, os processos na Justiça não buscam a reparação de eventuais danos provocados pelas reportagens, mas intimidar o trabalho da imprensa e, por isso, são um atentado à democracia. A Abraji espera que as ações sejam julgadas improcedentes e a retaliação à Gazeta do Povo e a seus profissionais não continue. É inaceitável que magistrados e promotores coloquem o corporativismo acima de direitos fundamentais como a liberdade de expressão e o acesso a informações de interesse público.