A Câmara dos Deputados aprovou neste domingo o pedido de abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, tornando seu afastamento da Presidência praticamente irreversível. Foram no total 367 votos a favor e 146 contra o impedimento, somando a este último grupo as abstenções.
A presidente é acusada pelas chamadas pedaladas fiscais e por ter editado decretos orçamentários sem autorização do Congresso. Dilma nega crime de responsabilidade e tem afirmado que o pedido de impeachment é uma tentativa de golpe.
Agora o pedido de abertura de processo de impedimento irá ao Senado, que poderá rejeitar e arquivar o caso ou autorizar a instalação do processo, cenário que implicaria no afastamento de Dilma do cargo por até 180 dias, período em que o vice-presidente Michel Temer (PMDB) assumiria a Presidência da República interinamente.
A avaliação geral é que, uma vez aprovado pela Câmara, é muito difícil que o governo consiga segurar o impeachment no Senado.
A Advocacia-Geral da União (AGU) poderá recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar barrar o impeachment a qualquer momento do trâmite do caso.
Se o processo chegar a ser julgado pelo Senado e Dilma for condenada, ela será a primeira presidente no Brasil a perder o cargo desde o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992.
O processo de impeachment ocorre em meio à grave crise econômica e política, aumento do desemprego, inflação elevada e desequilíbrio das contas públicas.
Durante o dia, uma série de manifestações contra e a favor do governo Dilma ocorreram no país. Em Brasília, um muro de mais de 1 quilômetro de extensão no meio da Esplanada dos Ministérios para evitar confronto entre os manifestantes era um retrato da divisão do Brasil também nas ruas, não apenas no Congresso.
Reeleita em outubro de 2014 pela margem mais estreita desde a redemocratização do país, Dilma não vem tendo vida fácil desde o início do atual mandato.
Com baixíssima popularidade, fraco apoio do Congresso e tendo a operação Lava Jato, que investiga um esquema bilionário de corrupção, como um fator imponderável permanente, o governo está virtualmente paralisado, sem conseguir encaminhar qualquer agenda positiva no Congresso para tirar o país da recessão.
Na votação na Câmara, o Planalto perdeu votos que tinha como certos contra o impedimento de Dilma, inclusive do PDT, legenda que fechou questão para ficar do lado do governo.
Entre os votos comemorados pela oposição estão os dos deputados Nelson Meurer (PP-PR), considerado muito próximo ao governo, e do ex-ministro dos Transportes dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma, Alfredo Nascimento (PR).
As deputadas peemedebistas Magda Moffato (GO) e Jéssica Sales (AC) entravam na conta do governo como indecisas e votaram a favor do impeachment, em exemplos do efeito manada que o Planalto temia na votação.
Ao longo da semana passada, partidos com número expressivo de deputados manifestaram apoio ao impeachment, entre eles PP e PSD. Mesmo dentro do Palácio do Planalto os ânimos foram esfriando à medida que a votação no plenário se aproximava.
Em um sinal de que antevia uma derrota na Câmara, o governo recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) na última quinta-feira para tentar impedir a votação deste domingo, mas não teve sucesso.
Eduardo Cunha
Logo antes da abertura da sessão, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, disse a jornalistas que o processo de impeachment não é "vingança".
"Cinquenta pedidos de impeachment, como você pode dizer que é vingança? Já rejeitei 39. Não existe isso."
Cunha também disse que não é responsável por dizer se houve ou não crime de responsabilidade. "Nesse momento sou o julgador da admissibilidade, o que vai dizer se cometeu (ou não), vai ser o julgamento."
Jovair Arantes (PTB-GO) - Relator
O relator da comissão especial do impeachment da Câmara, Jovair Arantes (PTB-GO), responsável pelo parecer favorável ao processo de impeachment de Dilma Rousseff, começa sua fala na tribuna.
"Relembro aos colegas que estamos decidindo essa questão com legitimidade constitucional. Democracia não se resume a contagem de votos. Não se pode tudo apenas porque foi eleito pelo voto popular. 54 milhões de votos não autorizam a prática de atos que atentam contra as finanças públicas."
Tumulto
O começo da sessão da Câmara teve tumulto e troca de insultos entre deputados que gritavam "fora PT" e os que entoavam "não vai ter golpe".
Cunha pediu silêncio e ordem e chegou a ameaçar chamar os seguranças para tirar o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) da sessão. Ele também pediu que os deputados evitassem ficar atrás da tribuna com cartazes pró e contra o impeachment.
"Tchau, querida"
A frase usada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para acabar a conversa com Dilma no polêmico telefonema divulgado pelo juiz Sergio Moro virou bordão dos deputados pró-impeachment.
"Tchau, querida", diziam cartazes levados ao plenário.
Muitos também acabaram seu discurso com a frase, entre eles Elizeu Dionízio (PSDB-MS) e Alexandre Leitte (DEM-SP).
Renúncia pelo "sim"
Ao declarar seu voto a favor do afastamento de Dilma, o deputado Alfredo Nascimento (PR-AM) renunciou à presidência nacional do PR, partido que havia instruído seus correligionários a votarem contra o impeachment. A decisão causou surpresa no plenário.
Antigo aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Nascimento foi ministro dos Transportes de Dilma. Ele deixou o cargo após ser acusado de participar de um esquema de corrupção dentro do ministério, mas nega as acusações.
"Numa reunião do nosso partido, o partido decidiu encaminhar o voto 'não'. Em respeito ao meu partido, aos meus colegas parlamentares, quero comentar que renuncio à presidência do PR porque entendo meu voto de forma diferente. Meu voto pertence ao povo do Amazonas, que me botou na vida publica há 30 anos. Voto sim", disse Nascimento.
Cunha vota entre vaias, aplausos e ameaças
Ao proferir seu voto pelo impeachment, o presidente da Câmara foi, primeiro, vaiado e, logo em seguida, aplaudido.
Seu discurso ao votar foi um dos mais breves: "Que Deus tenha misericórdia desta nação."
Ao proferir seu voto a favor do impeachment o deputado Expedito Netto (PSD-RO) ameaçou Cunha.
"Gostaria de dizer que hoje estamos votando o processo de impeachment da Dilma, mas amanhã é o seu (dirigindo-se ao presidente da Câmara). Contra a corrupção, venha ela de onde vier. Voto sim!"
Bolsonaro: "Pelos militares de 64"
Sem preocupação com as comparações com o golpe de 64, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) e seu pai Jair Bolsonaro (PSC-RJ) dedicaram seus votos pelo impeachment aos militares que destituíram João Goulart há 52 anos.
"Pelo povo de São Paulo nas ruas com o espírito dos revolucionários de 32, pelo respeito aos 59 milhões de votos contra o estatuto do desarmamento em 2005, pelos militares de 64, hoje e sempre, pelas polícias, em nome de Deus e da família brasileira, é sim. E Lula e Dilma na cadeia", disse Bolsonaro filho.
"Perderam em 64 e perderam agora em 2016", ecoou Bolsonaro pai, que dedicou seu voto à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi em São Paulo, órgão de repressão política que foi palco de torturas durante o regime militar.
O 342º voto pelo impeachment
O deputado Bruno Araújo (PSDB–PE) se emocionou e chorou ao dar o voto decisivo para a aprovação do impeachment.
“Quanta honra o destino me reservou de poder, da minha voz, sair o grito de esperança de milhões de brasileiros. Senhoras e senhores, Pernambuco nunca faltou ao Brasil. Carrego comigo nossa história de luta pela democracia. Por isso, digo ao Brasil 'sim' pelo futuro”, disse.
Imprensa internacional cita 'derrota esmagadora' do PT e ressalta desafios de eventual governo Temer
Para o The New York Times, o resultado foi uma "derrota esmagadora" para Dilma e o PT.
O jornal afirma que, se vier a ocupar a Presidência, Temer terá de lidar com uma série de desafios políticos e econômicos.
"Ele também enfrenta um possível impeachment pelas mesmas acusações feitas contra Rousseff, assim como acusações de que se envolveu num esquema ilegal de venda de etanol", diz o diário. O vice nega envolvimento em corrupção.
O jornal define Cunha como "um cristão evangélico que gosta de usar sua conta no Twitter para difundir versos bíblicos".
O britânico Guardian diz que Dilma foi derrotada por um "Congresso hostil e manchado por corrupção".
Segundo a publicação, Cunha é o "marionetista por trás da novela do impeachment". Foram citadas as acusações de que o peemedebista recebeu milhões de dólares em propinas da Petrobras, o que ele nega.
Em reportagem intitulada "Deus derruba a presidente do Brasil", o espanhol El País citou os vários deputados que justificaram o voto com argumentos religiosos.
A imensa maioria dos deputados que votou contra Dilma, diz o jornal, "pareceu se esquecer dos verdadeiros motivos que estavam em discussão".
O britânico Financial Times diz que, apesar do sol forte do lado de fora do Congresso, "a atmosfera era de Carnaval, com organizadores mesclando entretenimento ao vivo com discursos políticos e alguns manifestantes bebendo cerveja".
O jornal afirma que, se assumir, Temer enfrentará dura oposição do PT, "conhecido por sua habilidade em mobilizar sindicatos e movimentos sociais em protestos nas ruas".
O diário diz, por outro lado, que o vice deve receber o apoio do mercado e da indústria, "o que lhe daria uma curta lua de mel em que poderia tentar reequilibrar as finanças públicas naufragantes e propor algumas reformas".
O argentino La Nación destacou o clima no plenário da Câmara, "um cenário mais próprio a um campo de futebol do que a um dos momentos mais importantes da história" do órgão.
"O dia mais tenso na história recente do Brasil tem todos os ingredientes de um thriller político da Netflix (e por isso a empresa norte-americana já anunciou uma série baseada na crise)", diz o jornal.
Zika, crise e Olimpíada
Algumas publicações citaram outros problemas com que o país tem se deparado em meio à discussão do impeachment.
O The Washington Post diz que o processo contra Dilma ocorre num momento de "impressionante mudança na sorte de um país onde tudo parecia ir bem alguns anos atrás".
"Agora está metido em sua pior crise econômica desde os anos 1930. Uma assustadora epidemia de zika continua a se espalhar. E com a cerimônia de abertura da Olimpíada no Rio de Janeiro a menos de quatro meses, os líderes do país estão inteiramente consumidos pela crise política e um avassalador escândalo de corrupção", diz o jornal.
O que acontece agora
Como mais de 342 (367 votaram pela aprovação da admissibilidade) votos foram favoráveis à abertura do processo, o Senado está autorizado a julgar Dilma. Mas isso só ocorrerá, porém, pelo votação ea aprovação de abertura do processo ocorra, por maioria simples, ou seja, havendo 'quorum' a maioria dos senadores presentes acompanharem a posição dos deputados. Essa decisão está prevista para ocorrer em meados de maio.
Se os senadores decidirem abrir o processo, Dilma será afastada por até 180 dias à espera do julgamento e o presidente do STF assumirá os trabalhos no senado para o julgamento da presidente; enquanto isso, o vice Michel Temer (PMDB) assumiria o cargo interinamente.
No julgamento final pelo Senado, a presidente seria definitivamente deposta caso 54 senadores (dois terços do total) votarem pelo impeachment. Nesse caso, Temer assumiria o posto até a passagem do mandato para o próximo presidente eleito da República, em 1º de janeiro de 2019.
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