O ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta terça-feira, em São Paulo, que a crise econômica europeia é muito mais política do que econômica e que há uma crise de lideranças políticas na Europa. Para Lula, "a ONU não representa hoje o mundo do século XXI. Está superada no tempo e no espaço". De acordo com ele, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) também não cumprem o seu papel em um momento em que poderiam ser decisivos.
"Temos uma crise de lideranças políticas na Europa. Tivemos Felipe González, na Espanha, Margareth Thatcher, na Inglaterra... Essa geração (que os sucedeu) não estava preparada para tomar decisões nessa crise", disse ele. Lula participou ao lado do ex-presidente espanhol Felipe González do debate "Novos Desafios da Sociedade", promovido pelo jornal Valor Econômico.
De acordo com Lula, no Brasil, há um retrocesso sociológico quando a imprensa tenta negar a política. "Você não pode negar a política, porque depois da política é um desastre. O que nós precisamos é fortalecer a democracia, incluir a juventude nas decisões, os sindicatos nas decisões", disse.
Lula afirma que falta em um mundo globalizado, em que o capital transita livremente, governança global. "As instituições criadas não resolvem mais o nosso problema. A ONU não representa hoje o mundo do século XXI. Carente de nova representação. Não se explica hoje na ONU não ter a participação de países da América Latina, africanos, como a Índia, como a própria Alemanha", afirmou. Segundo ele, não existe hoje uma instância que possa decidir. "Quando a crise era nos países pobres, a orientação da Basileia servia. Para o BCE não serve".
Lula lembrou a González que viveu em crise a vida inteira. "Lembro que quando ganhei as eleições em 2012, meus assessores falavam que o Brasil tá quebrado, não ia dar certo. A crise da Europa aconteceu em um momento histórico até necessário. Para que revíssemos algumas coisas que pareciam estar na bíblia, de tão sagradas que eram. Principalmente que o mercado regularia tudo", disse Lula.
Ele criticou ainda as atuais lideranças europeias. "Quem tinha discurso de resolver a crise, hoje é responsável pela crise. A Europa conseguiu construir uma coisa que é um patrimônio da humanidade, a União Europeia. É preciso aperfeiçoar o que vocês construíram tão bem nos anos 80". Lula recomendou ainda que a Espanha não aceite os programas de ajuste sugeridos pelos órgãos internacionais.
"Espero que a Europa tenha a firmeza de encontrar uma solução. Falta mais decisão política do que econômica", disse Lula. Para ele, a crise vai ser resolvida. "Ela não é técnica. É preciso saber se as pessoas que foram eleitas pelo voto popular vão tomar as decisões. Agora está na hora de executá-las. A burocracia da Europa não resolverá essa crise. Não temos muito tempo a esperar".
Felipe González disse que há uma crise de governança da democracia representativa. "A Europa está retrocedendo na redistribuição de renda. Veja o fenômeno de desemprego. Metade dos jovens não têm espaço no mercado de trabalho. Estamos confundindo uma economia de mercado com uma sociedade de mercado", disse ele.
Para o ex-presidente espanhol, a crise também é mais política do que econômica. "Vivemos em um cassino financeiro sem regras, para não ofender os cassinos que têm regras. Não é um problema tecnocrático. Se fosse, estaria nos livros", afirmou.