A sinopse prometia uma história, à primeira vista, simples. E Cordel Encantado até aposta no romance inocente entre pessoas de mundos diferentes, um clichê na dramaturgia. Mas o que se vê na novela assinada por Duca Rachid e Thelma Guedes - que escrevem com Thereza Falcão o folhetim - é requinte puro. Desde a escalação do elenco, cidade cenográfica, direção de cena e de arte à edição e efeitos visuais, tudo impressiona. Acertos que se refletem na própria audiência, que marca constantemente a média de 28 pontos. Quase sempre encostada em Morde & Assopra, da faixa das 19 horas. Mérito não só do texto do trio feminino, mas também da direção geral incontestável de Amora Mautner. O início da carreira à frente das câmaras hoje certamente favorece seu trabalho. Chega a ser curioso imaginar que tamanha responsabilidade esteja nas mãos daquela jovem iniciante que, atualmente, pode ser vista na reprise de Vamp, na pele da explosiva Paula, no canal Viva.
O mais impressionante é que Cordel Encantado aposta em tudo que outros autores e diretores não quiseram - ou não puderam - apostar nos últimos anos. A começar pelo retorno da trama de época, abolida pela emissora desde a readaptação de Ciranda de Pedra, em 2008. A repetição de elenco em seu núcleo central também parecia depor contra a produção, que tirou Cauã Reymond, Bianca Bin e Bruno Gagliasso direto de Passione para interpretarem o mocinho Jesuíno, a romântica Açucena e o inescrupuloso Timóteo, escalações que hoje parecem ter sido feitas sob medida para os papéis. A inspiração na literatura de cordel, que poderia se tornar cansativa, é um charme a mais, principalmente no texto do profeta Miguézim, defendido com nítida comoção por Mateus Nachtergaele.
O tom de fábula é outra grata surpresa. A estratégia traz lembranças de novelas passadas, mas que não são esquecidas. Como Que Rei Sou Eu?, do saudoso Cassiano Gabus Mendes. Com um detalhe que, apesar de parecer simples, faz a diferença: a maldade não está concentrada em um rei tirano ou uma rainha ambiciosa. Rei, aliás, que Carmo Dalla Vecchia aproveita para marcar, de vez, sua independência na televisão. O ator já se destacou em outros trabalhos, mas sempre sob a tutela de João Emanuel Carneiro. O autor deu novo rumo à carreira do então aspirante a galã quando o escalou como o aventureiro Luciano de Cobras & Lagartos. De lá para cá, reserva sempre um bom personagem ao veterano, como em A Favorita e A Cura. Mesmo Cama de Gato, que Duca e Thelma escreveram em 2009 e na qual Carmo viveu o adoentado Alcino, contava com a supervisão de João Emanuel.
A dose certa de humor e o tom fantasioso se equilibram bem também com o clima aventureiro que ronda a história. Um artifício bastante usado - e com êxito de audiência, diga-se de passagem - pela concorrente Record. Mas em Cordel Encantado, ao contrário de outras novelas, tais sequências não surgem em vão. Estão sempre devidamente inseridas no contexto e de acordo com os rumos que Duca e Thelma traçam para seus personagens. E, por ser uma trama de época, envolvem muito mais pela emoção do que por efeitos visuais. O que prova que inserir cenas de ação em uma novela vai muito além de explodir um carro, fechar um túnel para gravar um tiroteio ou criar inúmeras perseguições sem fundamento pelas ruas do Rio de Janeiro.
Cordel Encantado - Globo - Segunda a sábado, às 18h.
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