Sob o slogan “Brasil Potência”, os tecnocratas da ditadura militar rasgaram o país com estradas e obras faraônicas, a maioria sem nenhuma preocupação com o meio ambiente. Com o restabelecimento do regime democrático, o desenvolvimento a qualquer custo foi duramente questionado pela sociedade civil, particularmente pelo movimento ambientalista. Mas, no afã tanto de corrigir os graves erros do passado quanto de dar um basta à inaceitável perpetuação do desmatamento selvagem, alguns setores caíram no extremo oposto, colocando em xeque a necessidade de crescimento econômico do país.
O Código Florestal em tramitação na Câmara dos Deputados proporciona excelente oportunidade para aprofundarmos o debate sobre a produção sustentável. É preciso harmonizar os objetivos de quem produz aproveitando as gigantescas potencialidades econômicas do país – para atender à necessidade de ampliar as exportações de alimentos – com a crescente necessidade de proteção ambiental e de crescimento sustentável.
Infelizmente, nas versões apresentadas pelo relator do Código Florestal, deputado Aldo Rebelo (PCdoB), há um desequilíbrio que pende para os interesses do desenvolvimento agrícola, em detrimento da necessária preservação do meio ambiente. O relator prevê a redução de Áreas de Preservação Permanente (APPs), na margem dos rios, de 30 metros para 15 metros em áreas já consolidadas e a dispensa de recuperação das áreas de Reserva Legal das pequenas propriedades (até quatro módulos fiscais).
Como acadêmico, apóio as posições da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciência (ABC), expressas em relatório divulgado em 25 de abril último, no qual são criticadas as propostas de redução das APPs e de Reserva Legal. O documento afirma que as APPs são insubstituíveis para populações urbanas e rurais e que a redução dessas áreas pode causar “gigantesco ônus para a sociedade como um todo”. As entidades afirmam que a lei atual ainda é insuficiente.
Segundo o documento da SBPC e da ABC, a manutenção das APPs (que representam apenas 7% da propriedade rural privada) ao longo dos rios é fundamental para conservar a biodiversidade. Como não é possível mensurar o impacto ambiental da dispensa de recomposição da Reserva Legal para as propriedades de até quatro módulos fiscais, o relatório defende a manutenção da obrigatoriedade para todas as propriedades.
O documento dos cientistas vai além, demonstra que a agricultura aumentará significativamente a produção com a recuperação de 61 milhões de hectares de áreas agricultáveis, atualmente degradadas. Ademais, as propriedades rurais terão enorme ganho de produtividade se fizerem a recuperação de suas Reservas Legais e APPs, porque a ciência prova que a polinização, preservação da água, da biodiversidade e o combate natural às pragas dependem da recuperação dos respectivos biomas.
O estudo revela também que as APPs têm “reconhecida importância na atenuação de cheias e vazantes, na redução da erosão superficial, no condicionamento da qualidade da água e na manutenção de canais pela proteção de margens e redução do assoreamento”. E o relatório científico reafirma a importância das APPs nas margens de rios e em encostas para evitar a repetição de tragédias ocorridas no país por causa de enchentes e deslizamentos.
Cientistas, agricultores familiares e cooperados, ambientalistas e agricultores modernos estão conscientes de que precisaremos aumentar a produção, mas recuperando as vastas áreas desmatadas. Para isso, devemos conseguir o devido equilíbrio na elaboração do Código Florestal, para que as gerações futuras possam dispor de um marco regulatório baseado na sustentabilidade como referência para produção e uso dos recursos naturais. Afinal, se não somos ingênuos para compartilhar, com Henry David Thoreau, a utopia romântica de uma volta à natureza, tão belamente descrita em Walden ou a vida nos bosques, tampouco devemos nos iludir com o mito de Prometeu, do progresso material ilimitado, destemperado e, no limite, desumano.
(*) Newton Lima é engenheiro químico, deputado federal (PT-SP), foi reitor da Universidade Federal de São Carlos e prefeito de São Carlos (2001-2009)