Alice cai num buraco e, de uma hora para outra, um inimaginável mundo de animais falantes e personagens malucos desfila à sua frente. Mas em vez de se perguntar por que tudo é diferente nesse mundo em que comum é ser extraordinário, a menina se questiona sobre sua própria natureza, colocando não os outros, mas ela própria como uma estranha num ninho. "Quem é que eu sou?", pergunta a Alice de Lewis Carroll, autor da obra literária do País das Maravilhas. Tim Burton, diretor de cinema cuja identidade parece se firmar justamente na estranheza, decidiu ir um pouco mais além na questão e resolveu criar um filme que, pretensiosamente, quer tirar a seguinte dúvida: em quem Alice se tornaria depois de cair no buraco?
Tim Burton, particularmente em se tratando de uma obra como Alice, pode e deve ser pretensioso. Acontece que com Alice no País das Maravilhas, que chega no próximo dia 21 de abril aos cinemas brasileiros, ele decidiu ousar não apenas na pergunta que iria guiar todo o roteiro de sua protagonista, como resolveu experimentar o doce sabor de um orçamento bem acima do que ele costuma trabalhar e fazer uso da tecnologia 3D que, depois de Avatar, parece ter criado um tipo de muralha intelectual entre meio e mensagem, diversão e cinema, como se fosse possível separar uma coisa da outra.
Diante desse íngreme e inglório desafio em corresponder como autor em um filme cuja assinatura maior é da Disney, Tim Burton é colocado contra a parede porque, teoricamente, estaria cedendo ao sistema, entendendo sistema como a toda poderosa Disney. Se esquecem, no entanto, que foi nessa mesma onipresente Disney que o próprio Burton começou seu trabalho como cineasta, na época em que ele trabalhava como aprendiz de animador.
Eis então que o aprendiz se tornou mestre, voou para longe de franquias felizes e, na maturidade dos seus 50 anos, entrou no estúdio com toda a produção Disney por trás. Mas em lugar de questionar por que ele, um diretor de personagens bizarros, teria que produzir um filme de grandes bilheterias, resolveu fazer a pergunta que move o mundo: por que não? E assim surge uma Alice adolescente em um cenário de computação gráfica (CG) que parece ser propositalmente um tantinho mal lapidada, como se a intenção do diretor fosse deixar claro que a fantasia gerada pelo computador, assim como os atores, atuam a partir de suas camadas de maquiagem.
Personagens criados em CG como o Gato Risonho, a Lebre de Março e Absolem, a lagarta, ganham uma expressão que, mesmo quando tenta ser irônica (particularmente em se tratando do Gato Risonho e de Absolem), nunca deixa de ser estranhamente carinhosa com a adolescente Alice.
Agora, aos 19 anos, no frescor da interpretação da australiana Mia Wasikowska, Alice está prestes a descortinar o mundo adulto que lhe será apresentado na imagem de um jovem nobre, arrogante e dentuço que se ajoelha diante dela para a pedir em casamento, numa cerimônia acompanhada por uma inquisidora plateia antes entretida com chás e patês. Ciente do problema que tem pela frente, Alice, em um ato falho que Freud explica, vê novamente o Coelho Branco e, mais uma vez, corre atrás dele. Depois de tantos anos, a jovem Alice cai no buraco que ela parece ter cavado como forma de escapismo de si mesma.
Uma vez dentro do universo do País das Maravilhas, Tim Burton está em casa. O território do inacreditável é a sua sala de estar, ambiente em que ele coloca as pernas para o alto e deixa tudo acontecer como se o fluxo das ideias não tivesse fronteiras com a geografia da normalidade. A história de Lewis Carroll parece ter sido criada para cair em suas mãos e o que o diretor faz com esse presente é uma experiência mais divertida que exatamente reflexiva.
É fato que isso o distancia um pouco de sua obra e de seu sarcástico senso de humor, mas não deixa de ser uma forma do próprio Burton fugir um pouco de si mesmo. Com exceção do desfecho do filme e de uma particular cena que sugere um elo romântico entre a protagonista e o Chapeleiro, ambas com clara assinatura Disney, a viagem de Alice é também uma viagem de Burton, diretor que aqui parece ter comprado bilhetes de férias para descansar a cabeça em diálogos loucos, porém inofensivos.
Em Alice, o diretor tem duas poderosas cartas na manga, na figura de seus dois amantes: o intelectual e a espiritual. O primeiro, claro, é o ator Johnny Depp, seu parceiro de tantos trabalhos, personificação maior do bizarro para Burton. A segunda é a mulher do diretor, a atriz Helena Bonham Carter. Depp, como o Chapeleiro Maluco, está de volta aos personagens no limite da sanidade. Eficiente e dono de seu espaço, ele não erra e, de certa forma, atua com uma comodidade de quem consegue andar pelo terreno do filme com os olhos fechados. O que nos deixa com uma certa sensação de déjà vu.
Já Bonham Carter é uma diversão à parte. Sua Rainha Vermelha é certamente a personagem mais prolífica do filme e gera todo tipo de situação estranha costumeira nos títulos de Burton. Desenhada como uma pequena e cabeçuda rainha, ela interpreta com os olhos. E quem já viu Bonham Carter, sabe que ela tem olhos que podem te sugar tal qual o buraco de Alice.
No outro extremo desse reino, a Rainha Branca de Anne Hathaway não surte efeito tão positivo. Por alguma razão inexplicável - e que não parece ter sido escolha do diretor - Hathaway decidiu que sua personagem iria atuar como se estivesse a todo momento em um baile vitoriano. O resultado dessa dança de pernas, braços e voz é uma personagem acima do tom.
Irmãs e rivais, a Rainha Vermelha, que ordena, e a Rainha Branca, que quer ordenar, colocam Alice no epicentro de uma decisão que precisa ser adulta (na medida em que matar um dragão é adulto) e que, sim, fará com que ela entenda um pouco mais sobre quem ela se tornou em todo esse tempo de escapismo. O psicanalista Jacques Lacan acreditava que é somente atravessando a fantasia que o homem consegue enxergar a realidade. Alice, aos 19 anos, parece ter entendido o recado.
Quanto a Tim Burton, este bem sabe que, para atravessar as fronteiras de sua capacidade em imaginar cenários - agora projetados em três dimensões -, ceder à moral da história é muitas vezes inevitável. O resultado de tudo isso, fosse uma parábola para uma regra de pontuação, é um filme com parênteses de Johnny Depp, dois pontos de Helena Bonham Carter, exclamação de Tim Burton e uma vírgula da Disney.
Expectativa
Alice no País das Maravilhas é o retorno do fantasioso diretor à maior marca internacional da fantasia. O filme será lançado no Brasil no dia 23 de abril.
Até lá, o Terra irá trazer novas notícias do filme, bem como entrevistas exclusivas com Anne Hathaway (Rainha Branca), Helena Bonham Carter (Rainha de Copas), Mia Wasikowska (Alice), a cantora Avril Lavigne (autora da música tema do filme) e com o diretor Tim Burton.
Alice no País das Maravilhas |
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Título original |
Alice in Wonderland |
Gênero |
Infantil,Aventura |
Ano |
2010 |
País de origem | |
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Estados Unidos |
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Distribuidora |
| Walt Disney |
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Duração | |
108 min. |
Língua | |
Inglês (cópias dubladas e legendadas) |
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Cor | |
Colorido | (cópias em 3D)
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Diretor | |
Tim Burton |
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Elenco |
| Johnny Depp, Mia Wasikowska, Helena Bonham Carter, Anne Hathaway |
A repórter Carol Almeida viajou a Londres a convite da Walt Disney Pictures.