A crise interna no PT, que rachou esta semana após o líder da legenda, Aloizio Mercadante (PT-SP), se rebelar contra a decisão da presidência da República de livrar o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), de uma série de processos no Conselho de Ética, pode desembarcar direto na campanha da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ao Palácio do Planalto em 2010.
Assim que o Conselho de Ética teve confirmado os três votos petistas em prol de Sarney, consolidando ao arquivo todos os questionamentos contra o parlamentar, o maior expoente da tropa de choque sarneysista, Renan Calheiros (PMDB-AL), sacramentou: "Isto é uma prova de que o PT e o PMDB podem estar ainda mais próximos em 2010".
Articulador informal da campanha de Dilma no Nordeste, o ex-prefeito de Recife, João Paulo Lima, admite serem inevitáveis os efeitos da posição petista pró-Sarney na campanha de 2010, mas relembra que todos os partidos, cada um em sua proporção, têm "telhados de vidro" e podem ser alvo de contra-ataques. "É inevitável (o desgaste), mas o PT defendeu essa posição para garantir a governabilidade. Efeitos em 2010 sempre existem, mas a oposição não tem como entrar pesado porque a história dos partidos dela é muito mais complicada do que a do PT", avalia.
Na esteira dos arquivamentos dos processos contra Sarney, o Conselho de Ética também rejeitou a abertura de investigação contra o líder do PSDB na Casa, Arthur Virgílio (PSDB-AM), que confessou ter custeado com dinheiro público um servidor de seu gabinete que estudava na Espanha.
"(Se o PT abandonasse Sarney) Poderia comprometer a relação com o PMDB e prejudicar a governabilidade. (Os partidos de oposição) Teriam teto de vidro, tanto que arquivaram a representação contra Arthur Virgílio também. Para serem coerentes, teriam de apoiar ambas as investigações, tanto a de Sarney quanto a de Virgílio", opina o dirigente.
A postura de Mercadante, que anunciou pela rede de microblogs Twitter sua saída da liderança do PT e, também pelo microblog, viu aliados confirmarem sua desistência do anunciado, tem como pano de fundo, avaliam interlocutores da presidência da República, as chances de o eleitorado de São Paulo poder desviar os votos que daria ao senador se vinculasse seu nome a uma postura de defesa de Sarney.
Com a permanência de Mercadante, recordam auxiliares de Lula, o senador vende a versão de que queria sair mas Lula pediu sua permanência, e minimiza o desgaste que poderia ter de enfrentar ao tentar renovar seu mandato em 2010. "Como disse o presidente, dificuldades de divergências fazem parte da nossa caminhada, mas são menores do que ela. Eu não posso dizer não ao presidente. Sou petista antes de o PT existir", argumentou Mercadante no discurso em que recuou de sua saída da liderança da agremiação.
Para o senador Delcídio Amaral (PT-MS), um dos integrantes do Conselho de Ética que pediu - e não conseguiu - para deixar o colegiado e não ter de votar em prol de José Sarney, o "PT salvou o PMDB a um custo bem alto", mas, como principal partido governista, "tem ônus e bônus" nas alianças políticas que articula e em suas eventuais consequências no processo eleitoral.
No Twitter, onde senadores se degladiavam em meio à crise do Senado na última semana, o próprio Delcídio criticou o racha provocado por Mercadante no PT, ao passo que os petistas João Pedro (PT-AM), postulante ao cargo de vice-governador do Amazonas em 2010, e Ricardo Berzoini (PT-SP), presidente da legenda, buscavam colocar panos quentes e abafar o desgaste entre os parlamentares e o que classificaram de "tentativas" de enfraquecer o PT "mais uma vez". A ex-ministra Marina Silva, por sua vez, há 30 anos como militante do PT, deixou a legenda e deve se filiar ao Partido Verde (PV).
Ex-ministro petista e hoje senador pelo PDT, Cristovam Buarque (PDT-DF) relembra que deixou o partido em meio a outra crise ideológica da legenda. Demitido pelo presidente Lula por telefone, Buarque deixou o PT em 2005 e disputou a presidência da República em 2006, conseguindo cerca de 2,5 milhões de votos, ou apenas 2,64% dos votos válidos.
"O Conselho de Ética arquivou as denúncias, mas o povo não as engoliu. A luta não acabou. Mercadante continuará com a aliança entre Lula e Sarney", avalia Cristovam, que chega a admitir poder se candidato a vice-presidente na provável chapa de Marina Silva ao Palácio do Planalto. Desiludido com o PT, o senador considera que os petistas não deveriam ter apoiado José Sarney e estima que esta aliança poderá ter reflexos no processo eleitoral. "O PT cometeu um erro gravíssimo ao trocar os sonhos pela governabilidade", lamenta.
Apesar de, como Cristovam, Marina Silva não ser apontada como uma ameaça a candidaturas mais prováveis, como a da ministra Dilma Rousseff e do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), ela representaria, segundo assessores do presidente Lula, uma influência considerável do ponto de vista político. O argumento é o de que, com a construção de uma plataforma de campanha voltada para o desenvolvimento ambiental, o tema tenderia a ter influência nos discursos dos demais postulantes ao cargo.
O apoio de setores emblemáticos da sociedade, como o Movimento dos Sem-Terra (MST), cujo líder, João Pedro Stédile, já disse ver com bons olhos sua possível candidatura, também quebraria o suporte histórico que a entidade tem dado ao Partido dos Trabalhadores e tiraria prestígio do PT junto a parcelas da sociedade historicamente identificadas com uma agremiação política.