“Eu estou me lixando para a opinião pública. Até porque a opinião pública não acredita no que vocês escrevem. Vocês batem, batem e nós nos reelegemos mesmo assim”. Essa é a frase de maior domínio público hoje no País. Ela tirou do anonimato nacional um deputado federal, Sérgio Moraes, do PTB do Rio Grande do Sul, e expôs mais uma vez a classe política à indignação nacional.
A declaração foi consequência do questionamento a que o deputado foi submetido ao prejulgar, como relator do Conselho de Ética da Câmara, o caso do colega Edmar Moreira – aquele do castelo não declarado ao Fisco –, sujeito a processo pelo uso indevido de verbas indenizatórias. Desta forma, apesar de já haver declarado que não se impressiona nem teme os holofotes dos meios de comunicação – e a razão está resumida na sua célebre frase –, o deputado não apenas se submete, mas toda classe política brasileira a esses holofotes, alargando o mar de lama que se abate sobre o Congresso.
É lastimável, contudo, admitir que o deputado gaúcho tem alguma razão na sua insanidade política: ele não teme a opinião pública porque há muitos políticos que foram expostos à execração pública e renovaram seus mandatos.
O próprio Sérgio Moraes responde a ações penais no Supremo Tribunal Federal, já respondeu a outros processos e, no entanto, não apenas foi prefeito duas vezes de Santa Cruz do Sul como elegeu a esposa para aquele cargo, fez de um filho vereador e chegou à Câmara Federal como 86.229 novos. E como tal tem se dedicado fielmente a ajudar a indústria do fumo que financiou 59% de sua campanha: apresentou projeto criando o Fundo Nacional da Fumicultura e tem usado seu mandato para defender o estímulo de R$ 1 bilhão aos produtores de fumo do Rio Grande do Sul.
No ano passado, o deputado que está se lixando para a opinião pública foi presidente do Conselho de Ética da Câmara e tropeçou no pernambucano Inocêncio Oliveira, corregedor-geral, que entrou com representação contra ele por declaração discutível sobre instauração de processo disciplinar contra um colega do PDT, Paulo Pereira, acusado de envolvimento em esquema de desvio de verbas no BNDES.
A reação do deputado gaúcho foi recorrer ao STF contra Inocêncio. O caso terminou em pizza, Paulo Pereira foi inocentado e o defensor da indústria do fumo continuou com sua bem-sucedida atividade política, independente da opinião pública, fazendo parte de um Conselho de Ética em que um em cada quatro membros responde a inquéritos no Supremo.
A infamante frase do deputado gaúcho exige uma profunda reflexão de quem se sente no dever de exercer a cidadania: até aonde vai a sua verdade e de que forma ela atinge as instituições e retarda a construção de um estado democrático de direito fundado na ética. É verdade que há políticos que se elegem e reelegem apesar de terem ficha suja? É verdade. É verdade que nem todo político tem ficha suja? É verdade. O que fazer, então, para separar um e outro, para exigir que a um se aplique a lei penal e ao outro seja reconhecido o cumprimento do múnus público? Essa parece ser hoje a questão central do debate não apenas em torno da postura de um insignificante deputado gaúcho que lamentavelmente assume postos relevantes dentro da Câmara Federal, mas do questionamento das instituições, papel que cabe, sim, à opinião pública através da imprensa.
Cumpre ressaltar, entretanto, que há parlamentares decentes no Congresso. Que muitos respeitam o mandato que receberam e sofrem hoje o desgaste provocado por alguns que trazem à tona um mal pernicioso para a democracia, a generalização que devemos evitar. E - como contraponto por uma questão de justiça – até realçar os que estão acima de qualquer suspeita pela história pessoal, pela trajetória política, pela ficha limpa, de que, felizmente, temos muitos exemplos aqui mesmo, em São Paulo.